O que há por trás da voz de Cid Moreira? Quase nada

Cid Moreira sempre foi um mistério. Da estreia do “Jornal Nacional”, em 1º de setembro de 1969, à despedida, no final de março de 1996, manteve-se sempre à sombra, discreto, sem dar opiniões polêmicas ou causar confusão. Para muitos, a voz do mais popular telejornal da tevê brasileira era apenas isso – uma voz, lendo notícias que ele parecia mal compreender.

O único desvio nesta linha reta ocorreu em 1993, quando Cid Moreira apareceu na capa da edição número 5 de “Caras”, ensaboado dentro de uma banheira, com as pernas abusadamente levantadas. Um escândalo, que hoje, aos 82 anos, ele considera “o momento de bobeira” da sua vida.

“O que eu tinha na minha cabeça naquele momento? Afinal, todo mundo me acha tão sério, tímido, como de fato sou, e eu fui cair em uma cilada daquelas”, diz, na biografia que acaba de publicar, “Boa Noite” (Prumo, 296 págs. R$ 39,90), escrita pela jornalista Fatima Sampaio Moreira, sua quarta mulher.

Fatima descreve a trajetória de “Cidão”, como era chamado por colegas na Globo, numa narrativa que mistura falta de assunto com excesso de elogios. Em algumas passagens, como ao descrever os diferentes médicos que já cuidaram de sua saúde e os empresários que contrataram os seus serviços, o livro ganha contornos publicitários.

Em outros, especialmente ao falar do seu trabalho no JN, surpreende pela sinceridade de não ter nada para dizer: “Nem elaboro os textos, nunca fui editor. Aos redatores, sim, devo os textos. E a eles cabe o discernimento e a capacidade intelectual. A mim cabe apenas colocar em prática o que mais gosto de fazer, que é dar vida, humanidade e emoção às palavras”.

Não espere qualquer avaliação crítica a respeito do telejornal que Cid Moreira apresentou por 27 anos, qualquer opinião sobre erros graves e notórias omissões do noticiário, ou impressões a respeito de polêmicas decisões de seus chefes. Nem mesmo sobre como apurou a sua técnica, ele se detém. A julgar por “Boa Noite”, o apresentador passou quase três décadas à frente do programa apenas lendo o que colocaram à sua frente. Não viu nem entendeu nada.Quem busca detalhes picantes sobre a vida pessoal de Cidão também vai se decepcionar. Fátima Moreira informa logo no início que não vai tratar do assunto no livro. Num último e breve capítulo, intitulado “Cid na intimidade”, relata que o locutor tem mania de colecionar lanternas, guardanapos de papel, palitos de dentes e sapos ornamentais.
Hoje dedicado à gravação da Bíblia, Cid Moreira considera que a sua biografia consegue passar “uma ideia aproximada” de como foi a sua vida. Se é isso mesmo, só resta dizer: “Boa noite”

Comentários