'Estou farto', disse o contestado presidente em entrevista a TV dos EUA.Manifestantes e oposição insistem em saída imediata, e confrontos seguem.
O presidente do Egito, Hosni Mubarak, afirmou em entrevista nesta quinta-feira (3) que quer deixar o governo, mas teme o "caos" caso ele saia agora.
A declaração foi feita à jornalista a Christiane Amanpour, da TV americana ABC.
"Estou farto. Depois de 62 anos no serviço público, já foi o bastante. Quero sair", disse ele, que enfrenta o décimo dia de crescentes e violentos protestos da oposição.
"Não importa o que pensem de mim", disse na entrevista, que durou 20 minutos. "O que importa é o meu país, é o Egito."
Ele negou que seu governo seja o responsável pela violência na Praça Tahrir, iniciada na véspera e que deixou pelo menos seis mortos, e responsabilizou os oposicionistas da Irmandade Muçulmana pelos confrontos.
"O que ocorreu ontem me deixou muito infeliz", disse, sobre os confrontos entre manifestantes contrários e favoráveis ao seu governo. "Não gosto de ver os egípcios brigando entre si."
A entrevista ocorreu no palácio presidencial do Cairo, que está sob forte vigilância, com o filho de Mubarak, Gamal, sentado ao lado do presidente, informou a ABC.
"Eu não pretendia concorrer novamente. Nunca tive a intenção de tornar Gamal presidente depois de mim", disse Mubarak, segundo a repórter.
De acordo com Amanpour, ele disse ter sentido alívio ao anunciar em um discurso à nação feito na sexta-feira que não concorreria novamente nas eleições presidenciais.
Questionado sobre como estava se sentindo, ele respondeu: "estou me sentindo forte. Não me candidataria novamente. Vou morrer em solo egípcio."
Vice
O vice-presidente do Egito, Omar Suleiman, foi na mesma linha em entrevista na TV, ao dizer que a saída imediata de Mubarak, exigida pelo movimento oposicionista, é um "apelo ao caos".
Suleiman -que assumiu o cargo na semana passada, em uma tentativa de conciliação do presidente com a oposição- garantiu que nem ele, nem o presidente Mubarak nem o filho de Mubarak, Gamal, vão concorrer às eleições presidenciais previstas para setembro.
A oposição teme que Mubarak, que insiste em permanecer no poder até as eleições, esteja tentando ganhar tempo e "emplacar" o filho como sucessor.
Suleiman prometeu punir todos os envolvidos na violência de rua dos últimos dez dias e soltar todos os manifestantes presos e que não estejam envolvidos em atos violentos.
Ele recusou a "interferência externa" nos assuntos do país e disse que os confrontos de rua podem ter sido resultado de "conspiração", tramada no Egito ou mesmo no exterior.
Os confrontos seguiam apesar de o Exército ter criado uma "zona neutra", de cerca de 80 metros, próximo à praça, para tentar isolar os grupos rivais. Os favoráveis ao governo chegaram a invadir a área isolada, mas tanques os forçaram a retroceder.
O Ministro da Saúde disse na TV estatal que seis pessoas morreram desde a véspera vítimas da violência na região da praça, centro dos protestos pela queda do regime de 30 anos.
Foram levadas aos hospitais 836 pessoas, das quais 86 continuavam internadas, disse Ahmed Samih Farid.
Fontes médicas afirmam que dez pessoas morreram, mas não havia confirmação oficial.
Desde o início dos protestos, que já duram dez dias, pelo menos 100 pessoas morreram, mas, segundo a ONU, esse número pode chegar a 300. De acordo com a TV Al Jazeera, o número de feridos teria passado de 1.500.
Não há cifras oficiais, e os números são frequentemente contraditórios.
No início da noite de quarta, o vice Suleiman reforçou o pedido do Exército para que a população obedecesse ao toque de recolher e voltasse para a casa.
Mas, durante a madrugada, tiros esporádicos foram ouvidos no centro do Cairo.
Eles pareciam vir da Ponte de Outubro, onde permaneciam posicionados os partidários de Mubarak.
Os manifestantes também colocaram fogo em diversos pontos da praça, usando bombas incendiárias.
Os antigovernistas afirmaram na quinta que detiveram e identificaram 120 manifestantes pró-Mubarak, e que eles seriam, em sua maioria, ligados às forças de segurança e ao partido governista.
Na véspera, o Ministério do Interior havia negado que o governo tenha instigado os protestos.
Passagem de poder
Vários lideres internacionais, Barack Obama à frente, pediram ao contestado Mubarak que comece já a transmitir o poder. Mas a chancelaria do Egito rejeitou o apelo, afirmando que seu objetivo é "inflamar a situação interna do Egito".
Na terça-feira, Mubarak havia anunciado que não tentaria sua quinta reeleição e deixaria o governo em setembro, após um período de "transição suave" de poder.
Mubarak, que está há 30 anos no poder, afirmou na noite de terça em discurso na TV que, nos meses que restam de seu quinto mandato à frente do pais, vai ajudar a cumprir as exigências da coalizão de forças oposicionistas que o desafia -inclusive, fazer reformas do judiciário que ajudem a combater a corrupção.
Ele disse que o país atravessava um "momento difícil", que a prioridade era a "estabilidade da nação" e prometeu dialogar com todas as forças da oposição -que insiste em sua saída.
Pressão internacional
A pressão internacional pela saída imediata de Mubarak -antes um nome que, do ponto de vista das potências ocidentais, gerava estabilidade política na região- também aumentou desde seu pronunciamento.
Nesta quinta, França, Alemanha, Reino Unido, Espanha e Itália pediram ao Egito, em uma declaração conjunta, o início de um processo de transição e condenaram os que usam ou estimulam a violência.
"Apenas uma transição rápida e ordeira para um governo de base ampla vai tornar possível superar os desafios que o Egito enfrenta atualmente", afirma o comunicado.
"Este processo de transição deve começar agora", completa ao texto assinado por Nicolas Sarkozy, Angela Merkel, David Cameron, José Luis Rodríguez Zapatero e Silvio Berlusconi.
A chefe da diplomacia da União Europeia (UE), a britânica Catherine Ashton, pediu ao governo egípcio um julgamento dos responsáveis pelos confrontos entre os manifestantes a favor e contrários a Mubarak.
O presidente dos EUA, Barack Obama, disse na noite da terça que a situação do presidente era insustentável e que a transição deveria começar imediatamente.
A Casa Branca informou que "deplora e condena" a violência contra "manifestantes pacíficos".
O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, considerou insuficiente o anúncio de Mubarake opinou que o presidente egípcio deve renunciar imediatamente para satisfazer as reivindicações de seu povo.
Levantes em outros países
O presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika,anunciou que vai levantar o estado de emergência que vigora há 19 anos, aumentando as liberdades políticas. Ele também prometeu investir na criação de empregos.
Na quarta, o presidente de Iêmen, no poder há 32 anos, cedeu a protestos da oposição e disse que não vai tentar a reeleição. Nesta quinta, protestos favoráveis e contrários ao governo tomavam as ruas da capital, Sanaa.
Na terça, o rei da Jordânia -outro importante aliado dos EUA no mundo árabe- havia anunciado uma mudança no governo o país, também depois de protestos populares e de opositores.
Os protestos em Egito e Jordânia -assim como Marrocos, Iêmen e Síria- foram inspirados pelo levante popular que derrubou o presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, que caiu pela pressão popular após 23 anos no poder.
País chave
O Egito, o mais populoso dos países árabes (80 milhões de habitantes), é importante aliado do Ocidente na região e administra o Canal de Suez, essencial para o abastecimento de petróleo dos países desenvolvidos.
Além disso, é um dos dois países árabes (o outro é a Jordânia) que assinou um tratado de paz con Israel.
O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, mencionou o fantasma de um regime ao estilo iraniano, caso, aproveitando o caos, "um movimento islamita organizado assuma o controle do Estado".
O turismo é uma das maiores fontes de receita do exterior no Egito, sendo responsável por mais de 11% do PIB e fonte de empregos, em um país com alto índice de desemprego. Cerca de 12,5 milhões de turistas visitaram o Egito em 2009, proporcionando receita de US$ 10,8 bilhões.
'Campanha contra a imprensa'
O Departamento de Estado dos EUA denunciou nesta quinta o que seria uma campanha organizada contra os meios de comunicação estrangeiros que cobrem a rebelião popular contra Mubarak.
"Assistimos a uma campanha organizada a fim de intimidar os jornalistas estrangeiros no Cairo e perturbar seu trabalho de reportagem", afirmou o porta-voz da diplomacia americana, Philip Crowley, em seu Twitter.
"Condenamos essos atos", acrescentou.
O grupo Repórteres Sem Fronteiras também condenou a intimidação.
Jornalistas de vários países -inclusive do Brasil- foram alvo de graves ataques e intimidações por parte de partidários do presidente Mubarak, que os acusa de tentar desestabilizar o regime.
Israel teme queda, diz pesquisa
Para a maioria dos israelenses, a iminente queda de Mubarak terá consequências negativas para Israel e levará ao poder um "regime islâmico", informa uma pesquisa publicada pelo jornal "Yediot Aharonot".
A pesquisa mostra que 65% dos israelenses consideram que, para Israel, as consequências da queda de Mubarak serão negativas, contra apenas 11% que acreditam em algo positivo.
Além disso, 59% dos israelenses entrevistados acreditam que um "regime islâmico" vai suceder Mubarak no poder, enquanto 21% acreditam em um "regime laico democrático".
A pesquisa do instituto Mina-Tzemah-Dahaf ouviu 500 pessoas e tem margem de erro de 4,5%.
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