APÓS AS CONTAS DO PREFEITO DE NOSSA CIDADE SEREM APROVADAS, COLOCAREI AQUI ABAIXO UM HISTÓRIA TALVEZ MUITO PARECIDA, NÃO SEI QUEM SABE, COM A PRESTAÇÃO DE CONTAS DO NOSSO SAUDOZÍSSIMO GRACILIANO RAMOS... SERÁ QUE FOI ASSIM?


Prefeito Graciliano Ramos

Que Graciliano era rigoroso ao extremo com seus escritos, sabemos há muito. A faceta pouco conhecida ou lembrada é a de sua retidão enquanto foi prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, Alagoas, em 1927. Ocupou o cargo por dois anos e renunciou. Não sem deixar seus preciosos relatórios de atividades da prefeitura. Como sugeriu o Arnaldo Branco, em pontual comentário, "Se existisse vestibular pra Político, obrigaria os caras a decorar o relatório que o Graciliano Ramos fez como prefeito".

Relatório da Prefeitura Municipal de Palmeira dos Índios
Prefeito: Graciliano Ramos

Um relatório formal, de prestação de contas de um Prefeito, pode se transformar em preciosa obra literária? Sim, ainda mais se o Prefeito for Graciliano Ramos, um dos maiores literatos do Brasil.
Confira alguns trechos da prosa de Graciliano.

"Prefeitura Municipal de Palmeira dos Índios
Relatório
Ao Governo do Estado de Alagoas
Exmo. Sr. Governador:
Trago a V.Ex.ª um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.

Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim, minguados, entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o Município se achava, muito me custaram.

COMEÇOS

O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os outros, segundo creio, foi estabelecer alguma ordem na Administração.
Havia em Palmeira inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejavam administrar. Cada pedaço do Município tinha um administrador particular, com Prefeitos Coronéis e Prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses, resolviam questões de polícia e advogavam.
Para que semelhante anomalia desaparecesse lutei com tenacidade e encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela – dentro, uma resistência mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua, carregada de bílis. Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restaram poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem com suas obrigações e, sobretudo, não se enganam nas contas. Devo muito a eles.
Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior.

RECEITA E DESPESA

A receita, orçada em 50:000$000, subiu, apesar de o ano ter sido péssimo, a 71:649$290, que não foram sempre bem aplicados por dois motivos: porque não me gabo de empregar dinheiro com inteligência e porque fiz despesas que não faria se elas não estivessem determinadas no orçamento.
(...)

ILUMINAÇÃO

A iluminação da cidade custou 8:921$800. Se é muito, a culpa não é minha; é de quem fez o contrato com a empresa fornecedora de luz.
(...)

CEMITÉRIO

No cemitério enterrei 189$000 – pagamento ao coveiro e conservação.
ADMINISTRAÇÃO
A administração municipal absorveu 11:457$497 – vencimentos do Prefeito, de dois secretários (um efetivo, outro aposentado), de dois fiscais, de um servente; impressão de recibos, publicações, assinatura de jornais, livros, objetos necessários à secretaria, telegramas.

ARRECADAÇÃO

As despesas com a cobrança dos impostos montaram a 5:602$244. Foram altas porque os devedores são cabeçudos. Eu disse ao Conselho, em relatório, que aqui os contribuintes pagam ao Município se querem, quando querem e como querem. Chamei um advogado e tenho seis agentes encarregados da arrecadação, muito penosa. (...)

LIMPEZA PÚBLICA

(...)
Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas; retirei da cidade o lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram. (...)
Houve lamúrias e reclamações por se haver mexido no cisco preciosamente guardado em fundos de quintais; lamúrias, reclamações e ameaças porque mandei matar algumas centenas de cães vagabundos; lamúrias, reclamações, ameaças, guinchos, berros e coices dos fazendeiros que criavam bichos nas praças.
"(...)

TERRAPLENO DA LAGOA

O espaço que separa a cidade do bairro da Lagoa era uma coelheira imensa, um vasto acampamento de tatus, qualquer coisa deste gênero.
(...)

DINHEITO EXISTENTE

Deduzindo-se da receita a despesa e acrescentando-se 105$865 que a administração passada me deixou, verifica-se um saldo de 11:044$947.
40$897 estão em caixa e 11:044$050 depositados no Banco Popular e Agrícola de Palmeira. O Conselho autorizou-me a fazer o depósito.
Devo dizer que não pertenço ao banco nem tenho lá interesse de nenhuma espécie.
A prefeitura ganhou: livrou-se de um tesoureiro, que apenas servia para assinar as folhas e embolsar o ordenado, pois no interior os tesoureiros não fazem outra coisa, e teve 615$050 de juros. (...)

LEIS MUNICIPAIS

Em janeiro do ano passado não achei no Município nada que se parecesse com lei, fora as que havia na tradição oral, anacrônicas, do tempo das candeias de azeite.

CONCLUSÃO

Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis.
Evitei emaranhar-me em teias de aranha.
Certos indivíduos, não sei por que, imaginam que devem ser consultados; outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem os impostos.
Não me entendi com esses.
Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escrava cartas anônimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem com assunto invariável; há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; há até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras do caminhos.
Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.
Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.
Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.
Não me fizeram falta.
Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebescito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade.
Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.

Graciliano Ramos".

SERÁ QUE A PRESTAÇÃO DE CONTAS FORA DESSE JEITO??? QUEM SABE?

Leidilson Lira da Silva
Leia mais em: leidilsonlira.webnode.com


Comentários