A Companhia Açucareira Vale do Ceará-Mirim, que moveu por vários anos a economia da “cidade dos verdes canaviais”, caminha para o fim. Pelo menos esse é o desejo da Procuradoria da Fazenda Nacional. Um parecer entregue pelo órgão ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) requisitou o leilão de toda propriedade onde funcionava a usina São Francisco para o pagamento de dívidas com a Fazenda Nacional que alcançam os R$ 146 milhões.
O pedido foi acatado pelo desembargador federal Francisco Wildo Lacerda Dantas há pouco mais de dez dias e marca o leilão, previamente, para o próximo mês. No entanto, apesar da decisão judicial, o caminho até o Vale do Ceará-Mirim para o leilão da propriedade, que conta com oito fazendas, ainda se apresenta longo o bastante para não se ter a certeza de quando o processo de execução fiscal, iniciado em 1990, será finalizado.
Sob intervenção judicial desde 2010, a empresa ainda tem uma quantidade não definida de dívidas trabalhistas a serem pagas. Além da disputa nos tribunais entre o antigo proprietário Geraldo Melo e o empresário Manuel Dias Branco Neto, que comprou a companhia em 2009 e não teria feitos os pagamentos financeiros acordados no contrato.
A própria assessoria jurídica da intervenção já recorreu do parecer apresentado pela Fazenda Nacional e da decisão judicial que o acatou. “Entramos com um agravo de instrumento para mostrar que há fortes argumentos fáticos e jurídicos contra este parecer”, afirmou o advogado José Maria Gels. O recurso ainda está pendente de julgamento. Caso o agravo não seja acolhido, ele afirma que pretende levar o caso até a última instância: o Supremo Tribunal Federal (STF).
A discussão, segundo o advogado, vai desde o débito cobrado da companhia açucareira até a própria avaliação das terras que a procuradoria requisita o leilão. “O débito ainda está sendo discutido. A avaliação está errada. E o próprio processo tem várias prescrições e vícios jurídicos que se acumularam pelo tempo percorrido. A Fazenda foi inerte por muitos anos e agora quer resolver tudo de qualquer jeito”, diz Gelsi.
O advogado da intervenção afirma que apenas uma das oito fazendas da companhia poderia sanar as dívidas com a Fazenda Nacional. “Existe essa pendência com a procuradoria. Porque o leilão pode proporcionar um enriquecimento ilícito para quem vencê-lo. Basta pegar a terra e lotear para quadruplicar o valor da compra”, destaca José Maria.
Parte das terras da companhia já não é própria para o plantio da cana-de-açúcar por estar muito próxima da zona urbana de Ceará-Mirim, o que já mudaria a avaliação dos seus valores. “E o próprio parecer usa uma avaliação do valor das terras que já tem mais de dois anos. A legislação não permite que um leilão seja feito com uma documentação anterior a dois anos. O leilão proposto pela procuradoria é à um preço vil. A área é nobre, de expansão urbana. Não sei qual o interessa da Fazenda Pública ao querer forçar este leilão”, critica o advogado.
A ordem de preferência para o pagamento de dívidas, de acordo com decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) datada de 2006, coloca os débitos trabalhistas na frente das dívidas fiscais. O voto proferido pelo ministro Luiz Fux, hoje no STF, aponta que a preferência, entre outras situações, nos casos em que o devedor tiver condições de pagar todas as dívidas.
A situação se aplica à Companhia Açucareira Vale do Ceará-Mirim. “As dívidas com os funcionários são preferência, não só jurídica como da intervenção. O nosso interesse é quitar os débitos trabalhistas, que são oriundos de muitos processos”, complementa Gels.
No auge a Usina São Francisco chegou a empregar 1,5 mil pessoas na colheita e moagem da cana-de-açúcar. Antes de parar suas atividades, no fim do ano passado, pouco mais de 200 trabalhadores eram contratados da empresa.
Uma decisão proferida na primeira instância do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJ-RN) obriga o empresário Manuel Dias Branco Neto, proprietário da companhia há quatro anos, a pagar todas as dívidas trabalhistas em nome da empresa antes de um possível leilão.
Uma briga sem data para acabar
A intervenção da companhia açucareira é apenas um capítulo da batalha judicial entre o ex-senador Geraldo Melo e o empresário cearense Manuel Dias Branco Neto, herdeiro de uma das maiores companhias industriais do Brasil (M Dias Branco S/A), por conta da venda das ações da Companhia Açucareira Vale do Ceará-Mirim e da Ecoenergias do Brasil Indústria e Comércio Ltda - empresas que geriam as fazendas de cana-de-açúcar que abasteciam a Usina São Francisco.
O negócio foi fechado entre Geraldo Melo e Ranylson Pereira Machado, sócios nas empresas, e Dias Branco Neto, no início de 2009, por R$ 220 milhões. O acordo previa que Neto pagaria R$ 20 milhões à Geraldo Melo e o restante da verba serviria para zerar as dívidas pendentes com a Fazenda Nacional, empregados e bancos.
De acordo com representantes de Melo, o comprador teria pago cerca de 10% das obrigações e R$ 4 milhões pela compra das ações. Os descumprimentos do acordo começaram por volta do fim de 2009.
Já em fevereiro de 2010 as querelas judiciais, que envolvem até uma aeronave, foram iniciadas, pois Manuel Dias Branco Neto vendeu parte das fazendas que compõem o negócio agrícola ainda em 2009, antes de quitar a dívida da compra, o que era proibido por uma cláusula do contrato. Uma ação cautelar bloqueou o patrimônio da companhia.
Em seguida o grupo encabeçado por Geraldo Melo entrou com uma ação ordinária pedindo, além do pagamento das dívidas, o afastamento de Dias Branco das empresas e a nomeação de um interventor. Desde março de 2010 o interventor Valdécio Vasconcelos Cavalcanti está no comando das propriedades. Mais uma ação foi impetrada logo em seguida, requisitando os R$ 16 milhões restantes da compra das ações.
Dias Branco tentou reverter as decisões, em especial a intervenção, no TJ-RN e também no STJ, mas não conseguiu que fosse decretado o fim da intervenção.
No total, segundo a defesa do grupo de ex-proprietários da companhia, são mais de 20 ações contra Neto, uma das quais sobre a indisponibilidade judicial de R$ 30 milhões sobre o patrimônio do empresário.
A soma dos processos abertos no Tribunal de Justiça local e no Superior Tribunal de Justiça que tem a disputa entre Melo e Neto superam os 30.
A respeito do possível leilão das terras, o antigo proprietário Geraldo Melo disse não estar acompanhando o processo. “Não sou o dono. Tenho apenas interesse em resolver os meus problemas”, limitou-se a comentar o ex-governador potiguar.
Procurada pela reportagem, a defesa do empresário cearense, representada pelo advogado Marcos Barreto, afirmou que não irá se pronunciar sobre o caso. “Prefiro não falar, porque não estou atualizado do caso. Só sei que o leilão foi pedido”, afirmou Barreto.
“Usina tem condições de ser saneada”, diz advogado
De acordo com José Maria Gels, a Companhia Açucareira Vale do Ceará-Mirim tem plenas condições de ter suas dívidas saneadas. “A companhia tem como absorver as dívidas fiscais e trabalhistas. Já apresentamos até um projeto no TRF informando como isso pode ser feito dentro de cinco anos”, diz o advogado.
A saída, segundo ele, é dar um prazo suficiente para que a empresa possa se recuperar. “Com as condições jurídicas concedidas é possível. Mas não vejo uma boa vontade para tanto. Já no parecer do leilão é dado 60 meses para o comprador pagar. O mesmo período não é concedido para a recuperação da empresa. Que se dê a oportunidade”, aponta.
Para Gels, a cultura da Fazenda Nacional, no entanto, impede que o crédito temporal seja concedido. “No Brasil, diferente de todo o resto do mundo, a ideia é quebrar a empresa, liquidar o patrimônio e ficar com a dívida para ser executada. Desta forma vão matando parques industriais. Entramos em um conflito jurídico que não é bom para ninguém”, relata o advogado.
Economia local sofre com fechamento
Em matéria publicada no dia 9 de dezembro de 2012, o NOVO JORNAL mostrava a situação de Ceará-Mirim por conta do fim das operações da usina São Francisco. A moagem daquela safra de cana-de-açúcar das fazendas da companhia não foi feita por falta de recursos, fechando a última usina da região que chegou a ter outras quatro e mais 36 engenhos. A produção terminou sendo vendida à usina Vale Verde, localizada em Baía Formosa.
A reportagem, assinada por Louise Aguiar, trazia a informação de que o fim das operações na usina e a consequente demissão dos trabalhadores, que já sofriam com seis meses de atraso nos salários, atingiu em cheio a economia local e até mesmo a arrecadação da prefeitura. O comércio, desde o menor até o maior comerciante, encarou queda de 40% nas vendas. O pagamento do Imposto sobre a propriedade territorial e urbana (IPTU) chegou a atingir o nível de inadimplência de 90% dos contribuintes.
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Reginaldo Felipe