Sem fazer DNA há um ano, polícia do RN não tem como identificar corpos

Jacimário Rêgo da Silva é professor do IFRN; o corpo, que pode ser o dele, precisa 
de indentificação por DNA para ser liberado (Foto: Rafael Barbosa/G1 e Divulgação/IFRN)

Os familiares reconhecem o carro destruído pelas chamas e têm certeza que o corpo que estava dentro do veículo, com perfurações de tiros e carbonizado, é de um ente próximo. Mas o sofrimento vai além da dor de ter perdido alguém de forma tão violenta. Para que possam dar um funeral e sepultamento dignos, só depois de o cadáver for oficialmente identificado. O problema, segundo a polícia técnica do Rio Grande do Norte, é que o estado não possui um laboratório de genética capaz de fazer a identificação por DNA. O único jeito é levar a amostra para outro estado, o que não acontece há um ano. E quando não há previsão de quando isso vai acontecer.
O drama é vivido pela família do professor de eletrônica Jacimário Rêgo da Silva, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), desaparecido desde o último final de semana. A mulher e filhas asseguram que é dele um dos dois corpos carbonizados encontrados na terça-feira (6) dentro de um veículo incendiado às margens de uma estrada de terra no distrito de Cajupiranga, em Parnamirim, município da Grande Natal.


De acordo com o próprio Instituto Técnico-Científico de Polícia (Itep), como os corpos estão bastante deteriorados em razão do fogo, a identificação só será possível por meio de DNA. Porém, mesmo contando com a colaboração de outros estados, desde maio do ano passado que o Rio Grande do Norte não realiza exames de identificação humana e os materiais genéticos coletados estão se acumulando. “Temos mais de 150 amostras guardadas que incluem dezenas de restos mortais que necessitam de identificação. Isso significa que são dezenas de famílias que ainda convivem com este tipo de angústia”, revela o perito criminal Fabrício Fernandes, um dos dois únicos com formação em genética forense que o Itep possui. E mais: segundo ele, o Itep mantém 3 mil amostras catalogadas, que ainda não foram sequer solicitados os exames de DNA, que podem provar, entre outras situações, autorias de crimes sexuais.
Ao G1, a assessoria de comunicação do Itep alega que não existe uma periodicidade para o envio de amostras de DNA para exames em outros estados, mas confirma que, em média, as amostras são enviadas para Salvador de seis em seis meses.
Em decisão recente, a diretoria do Itep determinou que os corpos sem identificação - já em avançado estado de decomposição ou mesmo ossadas - sejam enterrados em até 72 horas. Antes, porém, material genético é coletado, catalogado e armazenado até que algum familiar apareça para reclamar o corpo. Um parente próximo fornece amostra de sangue ou mucosa oral e o teste de comparação genética é realizado. Em caso de o resultado ser positivo, a família precisa de uma decisão judicial para que os restos mortais sejam desenterrados.


Um dos casos de corpos sem identificação mais antigos no estado é o da família de Felipe Miguel Pernambuco, de 17 anos. Ele foi encontrado morto em 2012 na praia da Pipa, no município de Tibau do Sul, no litoral Sul potiguar. Já em avançado estado de decomposição quando foi achado, o corpo do adolescente também só pode ser liberado para sepultamento após o resultado do DNA. Sem o exame, são dois anos de espera. O pai do rapaz diz ter certeza que o corpo é o do filho dele. "As roupas eram dele", afirma Pedro Miguel Antônio.

Única cidade-sede da Copa sem laboratório
O perito afirma que das 12 cidades que receberão jogos da Copa do Mundo, Natal é a única onde a polícia científica não possui um laboratório de genética. “Até 2006, só fazíamos a identificação de corpos por meio da comparação das impressões digitais ou pela arcada dentária. Se fosse preciso o DNA, as famílias tinham que procurar um laboratório particular e pagar pelo exame. Depois de 2006, cada estado do país capacitou pelo menos dois profissionais em genética forense. Aqui no RN fomos capacitados eu e um colega. Sabemos fazer, mas não temos onde fazer. Normalmente levamos as amostras para Salvador, na Bahia, onde podemos fazer os testes. Já existiu um convênio, mas hoje é um favor que eles nos fazem. Solidariedade mesmo”, acrescentou Fabrício.

Para o perito, os problemas que o Itep enfrenta poderiam ser resolvidos com vontade política. “Estamos abandonados. Nossos governantes não têm interesse. Vários projetos já foram enviados para o Governo do Estado mostrando a necessidade e solicitando a implantação do laboratório, mas nada sai do papel. Com R$ 600 mil é possível criarmos um laboratório de genética aqui no Itep. Os equipamentos, que é a parte mais cara, o governo federal disponibiliza. Se tivéssemos um laboratório aqui, eu garanto que em 72 horas, no máximo, já teríamos o resultado de um exame de DNA”, ressaltou.
Doze exames por ano
Fabrício contou também que o Itep do Rio Grande do Norte envia materiais para exames para o Instituto de Medicina Legal de Salvador duas vezes por ano. Em cada viagem, seis amostras são levadas e analisadas, o que significa que, em média, apenas 12 casos que necessitam de DNA são concluídos por ano. “Normalmente viajamos nos meses de maio e outubro. Em outubro do ano passado, acredito que por falta de recursos, não fomos. Por isso que desde maio do ano passado nenhum exame de identificação humana foi feito aqui e os casos estão se acumulando. E também é por isso que a família do professor, que reclama o corpo do ente querido, também sofre com a incerteza de não saber quando vai poder sepultá-lo, já que o corpo só pode ser liberado depois de identificado legalmente”, disse o perito. "Com passagens, hospedagem e diárias da equipe, custa uns R$ 7 mil para o Estado. A previsão é de que a próxima ida a Salvador aconteça até o final deste mês, mas ainda não temos garantias de que o dinheiro seja repassado. E também não sabemos se o caso do professor estará entre as amostras que devemos levar


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