“Ô Japonêeees, vem cá! Esse negócio que você inventou de passar cartão vai sair no jornal!”, grita o mecânico do outro lado da avenida Rudge, no Bom Retiro, região central.
“Japonês” é Alessandro de Assis Koga, 36 —completados nesta terça-feira (30)—, um cara bastante improvável.
Nissei, ele diz ter vivido oito anos no Japão trabalhando em fábricas como a Suzuki. No canteiro central da avenida, mora numa barraca de lona mais limpa e arrumada que muita casa. Sobrevive do que arrecada no semáforo -e para isso “usa” uma máquina de cartões de crédito e débito.
Improvável, mas não impossível. “Boa tarde, abençoado. Fortalece o meu lado? Não tem trocado? Sem problema”, apresenta a maquininha ao motorista de uma SUV preta. “Crédito é, no máximo em cinco parcelas, ok?”, completa ele —sem explicar inicialmente que, na verdade, a máquina não funciona.
Vez por outra, causa espanto nos motoristas que param na esquina da Rudge com a rua Norma Pieruccini Giannotti, bem em frente à sede da LBV (Legião Brasileira da Boa Vontade) —um prédio amplo com o rosto de Jesus Cristo pintado na fachada.
Para quem arregala o olho, ele se explica. Achou a máquina jogada na esquina durante uma madrugada chuvosa. Até funcionava na hora, mas não é para isso que ele quer. “Quem vai me dar o cartão assim? O negócio é que faz o cara prestar atenção em você, dar risada”, afirma.
Para quem arranca com o carro, faz cara feia ou parece estar morrendo de medo, melhor não explicar nada, só agradecer. “Se não der certo, é porque não ia dar de jeito nenhum mesmo”, diz a companheira de Alessandro, Regiane Souza Rodrigues, 43 —a responsável pelo asseio impecável da barraca.
Juntos há quatro anos, os dois não se largam. “Desculpe a bagunça e não ter nada para te oferecer, só essas balinhas”, diz à reportagem a mulher nascida em Belém.
Quem trabalha por ali conhece bem o casal. “São gente boa, não causam problema com ninguém e são extremamente limpos”, diz o mecânico Everton de Oliveira, 34, ainda se divertindo com a exposição do “Japonês”.
Alessandro aprendeu a “não causar problema” quando foi para a rua. Há regras a serem seguidas. A avenida onde ele vive tem três faixas de cada lado; a mais perto da calçada é reservada às mulheres e aos mais velhos.
“Não pode chegar atropelando os outros, cortando o companheiro”, afirma Regiane, apontando para um vizinho de canteiro central, um senhor de cabelos brancos que dorme a poucos metros de um centro de acolhida da prefeitura, o Boracéa.
O casal está há cerca de um ano com a barraca no local. Antes do inverno, o “rapa” (fiscalização municipal) costumava tirá-los. “Agora, com o frio, ninguém incomoda, não”, afirma Regiane.
Nenhum dos dois têm qualquer tipo de documento —segundo eles, levados pelo “rapa”—, o que costuma causar ainda mais dificuldades.
“A gente fazia uns cursos aí pelo Boracéa”, afirma a mulher. “Agora acabou tudo, não tem mais nada”.
A prefeitura diz que o centro de acolhida atende atualmente 1.320 moradores em situação de rua e que os cursos continuam normalmente.
Alessandro não reclama. “Onde moro, queira ou não, faço amigos fácil”, afirma. “Pra você ver: saio daqui, deixo a barraca aberta e vou na feira. Lá ganho umas frutas, compro outras. Passo na peixaria, ganho um peixe.”
Medo de ser roubado? “Não. Jesus taí vigiando a gente 24 horas por dia”, aponta com a cabeça para a fachada do prédio ao lado.
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