Hiperinflação perto de 14.000% faz papel-moeda evaporar na Venezuela


Há algo errado num país em que, diante de uma máquina de café num centro comercial popular, você precisa colocar 70 notas de mil para servir-se de um expresso simples. E ainda ouvir de quem espera atrás: “Às vezes ela trava e não devolve o dinheiro que você já colocou”.

Esse tipo de máquina não foi criada para a Venezuela.

Com hiperinflação de 6.000% anuais, segundo a Assembleia Nacional de maioria opositora (o FMI fala em 1.088% em 2017), um novo e crescente problema se soma à escassez de alimentos e recursos para a saúde no país: a evaporação do papel-moeda.

Para o ditador Nicolás Maduro, o sumiço de bolívares é parte do que chama de guerra econômica contra seu país.

Ele diz que a “oligarquia esconde o dinheiro por razões políticas”, e contrabandistas levam as cédulas para fora do país. Nos últimos tempos, acusa o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, de roubar moeda da Venezuela.

Parte da explicação está na imigração maciça de venezuelanos ao país vizinho, pois muitos levam consigo todas as suas economias. Mas a principal razão para a falta de cédulas no país é que nem a emissão de dinheiro dá conta de acompanhar a inflação.

Às 5h30 de uma terça, diante de um dos grandes bancos em uma das principais vias de Caracas, Ramón Tovar, 29, conta ter chegado uma hora antes à fila que só cresce até o banco e os caixas eletrônicos abrirem, às 9h30. “A coisa vai mais rápido se as pessoas vêm só com um cartão. Por isso é bom chegar cedo, tem menos concorrência.”

Logo surgem duas senhoras de Guaíra, a 30 km de Caracas. Uma traz 10 cartões, a outra, 18. Ambas portam uma lista de nomes, números e senhas.

Uma delas, Alejandra Caicedo, 54, explica: “É de gente idosa ou doente, ou que entra cedo no trabalho e não pode ficar horas na fila. E os bancos de lá têm ainda menos dinheiro que os de Caracas, então fazemos isso uma vez por semana ou mais. Cobramos pouco, é pela comunidade”.

Depois, admite que sua taxa é de 20% do que elas conseguirem sacar, mais o valor das passagens de ônibus.

Por dia, o limite de saque de um correntista é de 20 mil bolívares (em poucos bancos, de 30 mil), o que equivalia no câmbio paralelo nesta terça (1º) a R$ 0,11 e comprava uma garrafa de água de 500 ml.

A escassez de bolívares ainda abala o comércio local com distorções, taxas e comissões para quem tem moeda.

Onde se aceita cartão de débito, o drama é menor, ainda que se pague mais caro.

“E nós que vendemos comida de rua?”, pergunta Roberto Olivera, 53. A solução para quem não tem dinheiro vivo, ele conta, é a promessa de que o consumidor ao chegar em casa faça uma transferência para a conta do comerciante. “Muitos pagam, outros somem”, resigna-se.

O viajante se impressiona com cardápios e lojas: um bife à milanesa num restaurante de classe média custa 1 milhão de bolívares; uma camiseta, 50 milhões. Um quilo de frango no bairro pobre do Petare, 4 milhões.

As padarias têm tabelas para calcular a alta semanal de determinado produto. E quase todos os comércios têm a máquina de contar dinheiro.

Em campanha eleitoral, Nicolás Maduro anunciou na segunda (30) um aumento do salário mínimo para 1 milhão de bolívares —ou US$ 1,61.

Mas em partes do interior esse valor pouco importa, pois a inexistência de dinheiro ressuscitou o escambo.

A situação ainda criou um sistema paralelo no qual quem tem acesso a dinheiro vivo —porque recebe do governo, como aposentados e pensionistas, ou vendedores e taxistas— multiplica a renda ao vender o papel-moeda que recebe pelo dobro do valor de face. A transação é feita virtualmente ou em dólar.

Trocar dólar no paralelo é outro drama. As comissões de cambistas saltaram de 20% no ano passado para quase 180%, e o governo aperta o cerco ao que chama de “máfias cambiárias”: na semana passada, prendeu 86 cambistas. Quem é pego trocando no paralelo também pode ser penalizado.

Muitas coisas do dia a dia, porém, só podem ser pagas em dinheiro na Venezuela: ônibus, remoções por ambulância, procedimentos em estatais e compra de comida em mercados populares.

Com a represália, os hotéis já não trocam dólar. É comum que, no check out, o hóspede espere por contatos locais para passar um cartão de débito venezuelano (o cartão internacional cobraria pelo valor oficial do bolívar, mais alto).

Os saguões ficam parecendo casas de câmbio, com hóspedes acertando em dólar com quem pagou sua conta.

Ante o problema, os dois principais candidatos têm propostas diferentes. O opositor Henri Falcón, líder nas pesquisas, propõe dolarizar a economia. Já o ditador Maduro diz que a Venezuela deve se livrar dos dólares que a submetem ao império e criar sua criptmoeda, o petro.

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